Um Sócrates esperançoso
Livro de Yanis Varoufakis mostra os lobbies disfarçados e as hipóteses sem fundamento ensinadas nos cursos de economia
Estava procurando uma versão grátis de Another now, do economista grego Yanis Varoufakis, e cabei lendo Conversando sobre economia com a minha filha, do mesmo autor. O livro é simples mas diz um monte de coisas que não me ensinaram na faculdade de economia. Já suspeitava de parte delas – mas faltava ver que não era só eu. A forma como os bancos liberam crédito, por exemplo: o que me ensinaram na faculdade é o que Varoufakis descreve como “o que os primeiros bancos faziam”. Hoje em dia, eles realmente criam moeda quando liberam crédito, eles emitem dinheiro quando lançam mais números na conta de um cliente (e eles têm poucas restrições para fazer isso).
A parte do livro sobre mercado de trabalho mostra como o discurso que lemos nos jornais sobre desemprego não faz o menor sentido. O desemprego aumenta porque as empresas não têm perspectiva aumentar suas vendas se produzirem mais: elas sabem que a produção extra vai encalhar. Reduzir o salário dos trabalhadores em um período de crise não vai torna-los mais empregáveis, talvez até aumente a recessão. O efeito agregado de perdas de salário para muitas pessoas pode acabar sendo o de diminuir a demanda pelo que as empresas querem vender, levando a mais desemprego.
O discurso de cortar direitos trabalhistas é duramente atacado por Varoufakis. O mercado de trabalho não é como o mercado de sabão em pó e culpar os trabalhadores pelo próprio desemprego é culpar a vítima. Dizer que deveriam aceitar trabalhar por menos é esquecer que as empresas que (não) contratam têm outros incentivos além dos salários para definir seu nível de produção. Dizer que não existe desemprego involuntário – como dizem os adeptos da Teoria das Expectativas Racionais – é simplesmente ofensivo.
Modelos que tratam o mercado de trabalho como um mercado comum, ou que ignoram a existência de moeda (foi o que mais vi na faculdade) não têm como ser boas representações do mundo real. Já tinha tido a sensação de trabalhar com modelos inúteis quando - depois de estudar muitos modelos com dados agregados - fui ler sobre problemas de agregação de dados. Muitos economistas estimam relações entre variáveis sobre comportamentos de pessoas usando dados agregados - o que, como todo estatístico sabe, está errado.
Segundo Varoufakis, quando usam esses modelos super-ultra-simplificados para vender política econômica, os economistas estão vendendo ideologia: estão servindo de fachada “científica” para o discurso de uma oligarquia. Não existe experiência controlada em macroeconomia. Não dá para comparar economia a física só porque os economistas resolveram usar equações parecidas com as dois físicos. Sem ter como refutar hipóteses em experimentos de laboratório, os economistas têm que assumir que não são físicos, que podem ser, no máximo, filósofos mundanos (uma referência de Varoufakis ao livro clássico do também economista Robert Heilbroner).
Entre as referências do livro, talvez a mais oportuna seja a citação de uma imagem antiga de John Stuart Mill – um economista clássico que estava quase sempre do lado certo do debate. Mill dizia que é melhor ser um Sócrates triste que um porco feliz. Fico feliz em estar ao lado de Mill, que, no seu tempo, foi um defensor do voto feminino e da educação universal. Nessa frase, ele puxa o tapete dos utilitaristas toscos para quem deveríamos otimizar nossa satisfação em modelinhos simplistas e só.
Dá para fazer mais do que isso: dá para tentar entender o que está acontecendo em volta, como os velhos filósofos faziam. E sim, é melhor ser um Sócrates insatisfeito que um mínion alegre. Mas podemos também ser tentativas (mais ou menos bem sucedidas) de Sócrates e, só por tentar, já seremos um pouco mais felizes.