O ataque dos zumbis teóricos
Coletânea de artigos de Paul Krugman mostra a importância de combater zumbis
Com o dólar alto, a vida de quem lê livros importados ficou um pouco pior. Em épocas de contenção drástica de custos, uma alternativa é baixar a amostra grátis dos livros da Amazon. Foi por isso que li a de Arguing with zombies, do Nobel de economia Paul Krugman. O livro é uma coletânea de artigos - que eu não ia mesmo ler. Mas o texto de abertura (que vem inteiro na amostra) é uma obra de arte. É um texto sobre como Krugman passou a combater zumbis: "Não sei se essa luta pode ser completamente vencida", ele diz, "embora ela possa ser perdida. Mas é definitivamente uma causa pela qual vale a pena lutar".
A expressão ideias zumbis surgiu nos anos 90 em um artigo (Lies, damned lies and health care zombies: discredited ideas that will not die) sobre o uso de teorias já refutadas para atacar o sistema público de saúde do Canadá. Uma ideia zumbi é uma ideia que já foi comprovadamente desmentida mas que continua circulando por aí (e eventualmente comendo cérebros).
Krugman adotou a expressão e a usa para uma série de ideias desse tipo: da negação do aquecimento global à austeridade expansionista - a estranha ideia de que cortar gastos públicos no meio de uma recessão vai fazer a economia crescer. Prezados, a economia não cresce quando se corta gastos no meio de uma crise, já vimos isso muitas vezes, em muitos países. Então, não é nem que os economistas do governo passado tenham nos usando como cobaias involuntárias de uma experiência econômica. Foi pior: eles sabiam que o que propunham ia piorar as nossas vidas, mas propunham assim mesmo, porque o ajuste ia aumentar o patrimônio de alguns bilionários.
No resumo que Krugman faz de como virou um colunista que escreve para o grande público (em vez do tecnocrata que achou que fosse se tornar) ele lista quatro princípios que adotou há mais de 20 anos, quando começou a escrever sua coluna no New York Times:
- Fique com os temas fáceis
- Escreva com clareza ("write in english")
- Seja honesto sobre a desonestidade
- Não tenha medo de falar sobre motivações
A maior parte das controvérsias em discussões sobre políticas públicas não é sobre temas controversos, é sobre temas para os quais já há uma resposta claramente certa: é sobre os temas fáceis. Mas grupos de interesse com muitos recursos não querem aceitar essas respostas.
Sobre o "write in english", ele diz que não é literal e que o mundo seria melhor se houvesse mais pessoas escrevendo sobre o que é conhecimento consolidado de economia para o público alemão.
Sobre argumentos desonestos - como o de que cortar impostos para os ricos estimula a economia - Krugman diz que apenas apresentar as evidências em contrário não é suficiente. "Meu ponto de vista é que isso é injusto com os leitores", ele diz. "Quando você está confrontando argumentos feitos de má-fé, o público tem que ser informado não apenas que esses argumentos estão errados, mas que estão de fato sendo apresentados com má-fé."
Sobre o último princípio, ele diz que, quando um argumento é defendido por motivos desonestos, é preciso explicar ao público por que eles são desonestos. "Na maior parte dos casos, isso significa falar sobre a natureza do moderno conservadorismo americano, sobre a interligação entre organizações de mídia e think tanks que servem a interesses de bilionários de direita e que efetivamente tomaram o controle do Partido Republicano. Essa rede - "o movimento conservador" - é o que mantém as ideias zumbis - como o credo que cortar impostos dos ricos estimula a economia. Se você está em um debate de verdade, de boa-fé, apontar para as motivações do outro lado é algo ruim. Mas se você está debatendo com oponentes de má-fé, apontar para suas motivações é apenas uma questão de ser honesto sobre o que está acontecendo."
"Eu queria que o mundo não fosse assim", ele continua. "Às vezes sinto saudades da ingenuidade do meu começo na profissão, quando eu estava simplesmente tentando achar a resposta certa e podia normalmente supor que as pessoas com quem eu debatia tinham o mesmo objetivo. Mas se você vai ser um intelectual público que faz diferença, você vai lidar com o mundo que você tem, não com o que você quer."
Não tinha essa impressão heroica do debate político/econômico quando fui estudar economia. O trabalho que temos agora é o de matar zumbis (ideias zumbis) antes que comam nossos cérebros.